2 de agosto de 2015

A árvore que dava pipoca

"Na beira de uma estrada distante, um dia, raízes quebraram a casca de uma semente, envolveram a terra com seus bracinhos, cresceram, e cresceram, e deram vida a uma árvore grandiosa. 
E a árvore vivia. Se alimentava, respirava, e por mais que suas folhas todas caíssem e ela parecesse meio doente às vezes, ela sempre voltava a florescer. Novas folhas brotavam, mais verdes do que nunca, e ela renascia. A vida - e a seiva - continuava a fluir dentro da árvore. 
Aquela, porém, era uma árvore diferente de todas as outras. Ao invés de dar frutos, ela dava pipoca. Ao invés de botões, piruás. E quando os piruás estouravam: pipoca. Pipoca caramelada, cor-de-rosa (que eventualmente levava as pessoas a fazerem xixi rosa por três dias), com manteiga, com molho de mostarda, original, e muitas outras pipocas advindas da sabedoria da natureza, que não existiam em nenhum outro lugar a não ser ali, na beira da estrada. 
Quando o outono chegava todas as pipocas caíam, uma a uma, e forravam o chão com tapete colorido e crocante. 
Por um tempo, ninguém soube que aquela árvore existia. E ali ela permaneceu, sozinha; nascia, morria, nascia novamente, sem ninguém para apreciar o milagre que ela era. 
Um dia, então, um garoto meio cabeludo caminhava exatamente por aquela estrada e viu a árvore de pipocas. Havia muitas coisas que ele poderia ter pensado naquele momento, como por exemplo: "o mundo precisa saber sobre essa árvore!". Contar para a humanidade seria justo. Mas ao invés disso, ele continuou voltando secretamente dia após dia para saborear as mais raras e deliciosas pipocas que alguém jamais poderia sonhar. Ele se apaixonou pela árvore, e fez tudo o que pôde para protegê-la. Mas mais do que isso, ele admirou o que aquela árvore peculiar significava, e compreendeu que devia de fato contar para outras pessoas, para que elas também pudessem reconhecer o valor da árvore. 
Ele contou, e muitas pessoas puderam degustar vários tipos diferentes de pipoca, sentar sob a sombra fresca e respirar o ar puro que aquela árvore proporcionava.
O tempo passou, estações passaram, a Terra girou muitas vezes, dia e noite revezaram muitas vezes, até que entre todos esses fenômenos, e árvore desapareceu. Tantas pessoas a conheceram e reconheceram sua magnitude, e ela esteve lá por tanto tempo... Mais tempo do que a vida de muitas dessas pessoas... E essa é a coisa engraçada sobre toda essa história: que a surpresa não era o fato de a árvore não estar mais lá, a coisa curiosa, e bela, e surpreendente, era que um dia ela estivera! Não era estranho que a árvore morresse um dia, porque esse é curso da vida. Era estranho que um dia ela tivesse existido. Esse era o verdadeiro milagre."
- Ok, acabou a história. Agora você pode dormir.
- Qual é! Uma árvore que dava pipocas?
- É! 
- Por quê uma árvore que dava pipocas?
- Porque você gosta de árvores, e você gosta de pipoca... 
- Mas ela morre no final...
- Mas ela dava pipocas! 
- É, tem razão... Isso é uma das melhores coisas que podem acontecer...
E então ela fechou os olhos, pegou no sono, e sonhou com vários fenômenos naturais envolvendo pipoca: chuva de pipoca, mar de pipoca, tempestade de pipoca, anjinho na neve, mas ao invés de neve: pipoca.

18 de julho de 2015

Depois da meia-noite

Aquela era uma noite particularmente escura e úmida, e ele andava pelas ruas da cidade como se estivesse sendo perseguido. Parecia entristecido, mas, mais que tudo, parecia muito solitário.
Seus cabelos caíam sobre o rosto, escondendo os olhos, em parte porque ele andava olhando para os pés. 
Vestia moletom azulado, e uma camiseta com estampa engraçada. Calçava um par de tênis como outro qualquer. 
Em dado momento, começou a olhar repetidamente para o céu, procurando uma estrela, quem sabe. Eram mais de meia-noite.
Ele se sentia tolo, estúpido, assustado, frustrado, iludido. Ele estava desesperado e desorientado. Se sentia um lixo. Ele tinha que dormir, na verdade; era o melhor a se fazer. 
E é por isso que correu de volta para casa, onde quer que ela fosse. Por mais que se sentisse perdido, conseguia se deixar guiar. Pelas estrelas, quem sabe. 
Estava ofegante quando chegou. Mas sobretudo estava cansado. Gotas de suor escorriam por sua testa. 
Quando abriu a porta do quarto, notou que sua cama estava feita. E mais arrumada do que algum dia já estivera. Ela brilhava, como se alguém houvesse jogado purpurina.  
Não percebera que o chuveiro estava ligado até ouvir as gotas pararem de cair. Uma moça enrolada na toalha saiu pela porta do banheiro, com os cabelos dourados pingando. 
- Você chegou! 
Ela correu em direção a ele, pulou no seu colo e o beijou como ninguém nunca o havia beijado antes. Seus braços envolveram o pescoço dele, os cabelos molhados se emaranharam, e no meio daquela mistura de corpos, a toalha escorregou para o chão. 
A mistura de corpos de igual forma escorregou para cima do lençol, e pedaços de estrelas grudaram em seu suor. A purpurina voou, formando uma nuvem em volta deles, enchendo o quarto, a casa, seus pulmões. Purpurina caía do teto e escorria pelas paredes, os inundando, porque aquela garota era capaz de fazer mágica. Ela lhe oferecia algo que ninguém pudera até então: amor. Um amor que ele não tinha que merecer. E que ele não merecia, de fato.
Ele deveria temer que tudo aquilo acabasse, o momento, a magia, mas ao invés disso, mergulhou na luz que emanava dela. Deixou que o corpo úmido dela lavasse sua alma, e levasse embora o medo. E permaneceu em silêncio, por precaução, deixando-se esmagar pelas milhares de estrelas que caíam do céu. 
Ele acorda na manhã seguinte, sozinho em seus lençóis sujos, como costumava ser. Sente frio, pois ainda usa as mesmas roupas molhadas e com cheiro de mofo que usava na noite anterior. Até os tênis está calçando ainda.
Começa a chorar, derrotado, porque tudo não passou de um sonho. Jamais voltaria a vê-la. Mais do que nunca percebe o quanto vive uma vida cheia de adjetivos ruins. E enquanto repensa sua existência escuta um barulho na sala. Ela ainda está aqui. 
Corre para lá no mesmo instante, e, parado bem no meio da sala mais feia do mundo, está um cavalo branco encardido, parcialmente manchado de purpurina, com um chifre torcido saindo do meio dos olhos. 

4 de julho de 2015

A abelha Tarnagusha e o rato Logus

Ter amigos fica cada vez mais difícil nesses tempos de inquietação politica e religiosa, tanto é que uma abelha que já se cansava de seguir a colmeia inteira foi caçar amizade entre os seres livres. Tarnagusha era uma abelha operaria, sempre obedecia ordens, mesmo contra seu consentimento, era a única abelha que tinha raciocínio rápido na colmeia, e como sabia que cresceria para se tornar uma abelha que leva polem, fugiu da colmeia logo em seus primeiros dias de emprego. No lado de fora encontrou um gato facista, que fazia de tudo para não fazer nada. Malvo, o gato, era preguiçoso e gordo, assim que conheceu Tarnagusha lhe propôs serventia, a chamou de rainha e lhe deu mil presentes, pois assim sabia que se a lealdade dela tivesse menos coisas faria. Em pouco tempo Tarnagusha era tão mimada que nem se questionou o motivo, Malvo, o gato, deu se encerrar ali a primeira parte de seu plano, foi ele chegar aos pés de Tarnagusha e chorar. 
- Oh minha adorada rainha, és de vero que é a unica justiça que existe nesse mundo, quem sou eu sem ti, peço a ti que mate o homem que por trás daquele sorriso esconde toda a maldade do ser, come a comida destinada ao nós seres livres, derruba nossa liberdade ao nos prender, mate-o rainha e assim poderá ter seu reino livre como assim o desejas. - Disse o gato lambendo o bigode de leite. 
A abelha que não era boba nem nada , logo notou o golpe do gato, mas, também notou o tamanho dele, imenso e escandalizado, devorador e pavoroso, monstruoso e malvado. A abelha viu que se não matasse o homem logo seria devorada. A pequena Tarnagusha se via em uma enrascada, caiu em uma cilada fascista, como saia agora dessa pequena esperteza do gato comilão? Por enquanto não havia jeito, marcou então o dia de matar o homem, não tardaria, pois seria naquela mesma noite. 
Pela noite o gato roncava como um porco frente a um microfone, e seu sono era tão pesado quando a ele próprio. Era hora de cumprir o plano, foi a abelha em seu voo solene dar uma ferroada no homem. Quando perto do homem chegou viu um ser estranho de dreads no cabelo, olhos baixos e cara de quem ha muito tempo não tomava banho, foi ela trocar palavras com o ser. 
- Viver, nascer e morrer, deitar-se no berço da eternidade, apanhar-se junto das estrelas, enquanto o corpo descansa na terra. E tu criatura minuscula, sabes a tua missão na terra? - Disse rato sujo. 
- Missão, dar continuidade a vida, seguir o fluxo. - A abelhinha respondeu. 
- Então porque fugiu da colmeia? É isso que chama de liberdade? Você é engraçada. - Disse o rato soluçando, provavelmente bêbado. 
- Devo matar o homem, ele é o ideal de prisão disse-me o gato. - a abelhinha enrolava as patas meio desajeitada. 
- O gato. O gato é sóbrio, não se deve escutar os sóbrios, eles pensam demais. - O rato tentou levantar mas caiu. - Me ajuda aqui. 
- Claro. - Disse a abelhinha dando a pata ao rato. - Meu nome é Tarnagusha. 
- O meu é Logus. - Levantou de vez o rato. - Monta aí nas minhas costas, quero te mostrar algo. 
O rato viu que Tarnagusha estava segura então disparou a correr como um louco, passando por tuneis e afastando cada vez mais a abelha do gato e do homem. O rato saiu dos túneis e foi parar na cidade, continuou ainda a correr, começou então a mostrar os lugares e lhe dizendo os nomes, chegou na área rural e muitas árvores e animais começaram a aparecer. A caminhada ainda continuava, frenética como o rato propôs, chegou às praias e logo ao mar, ficaram por horas observando o sol raiar ali. A abelha então parou pra pensar. 
- Agora o que quer? Porque me trouxe até aqui? - Perguntou a pequenina. 
- Ora bolas, não é claro? Queria que você pudesse ver o quanto o sol é livre, belo e imponente, o quanto a cidade presa e domada e mesmo assim dizem que somos livres, essa minha liberdade, correr a frente do sol. - Disse o rato com sua voz pacífica e duradoura. 
- Oh -  espantou-se - Que belo é, percebo agora o que quis dizer sobre... - O rato interrompeu a pequena. 
- Eu não disse, você é quem acha que eu disse. - O rato se sacudiu e a abelha voou, ele deitou com as costas para baixo e fechou os olhos. - Deite-se, não são todos que tem essa oportunidade. 
- Ah, sim claro. - A abelha deitou-se e descansou por horas. Sonhou com pôneis e mashmallows, sonhou que voava sobre as nuvens e que elas eram doces.

15 de junho de 2015

Conversa sobre Livros: A Menina Submersa


A menina submersa, de Caitlín R. Kiernan, e publicado pela editora Dark Side (que está se tornando uma das minhas favoritas) é um livro marcante porque nos faz pensar sobre quantas pequenas histórias (e fantasmas) nos compõe. A partir das memórias de Imp, a protagonista, sobre o quadro do Saltonstall, as sereias, e a relação das duas coisas com quem ela é hoje, eu pude pensar as minhas próprias histórias. As pequenas coisas que me aconteceram e que me fizeram ser quem sou.
E não apenas isso, mas quantos paralelos a autora faz no livro, que nos permitem traçar a partir disso os nossos próprios paralelos...
Não digo que esse seja um livro ruim, apesar de não ser um dos melhores que eu já li. O livro todo é uma viagem interessante pelos vários recortes de cenas e fatos sobre a vida de muitas pessoas que no final se costuram e formam uma grande colcha que faz todo sentido. 
Mas o que é o livro além disso? Além de um amontoado de referências de várias outras obras? 
Para provar meu argumento, no final do livro tem duas páginas inteiras onde a autora lista obras que citou. E ela cita tudo. Autores, compositores, cantores, pintores, e qualquer tipo de pessoa que possa de alguma forma ter-lhe influenciado a escrever essa história.
Esse é um dos pontos negativos do livro para mim. Não podemos culpar a autora por ter referências - todos temos -, mas, quando essas referências são despidas, o que sobra? 
Acredito que para ter uma experiência mais interessante com o livro, vale ler Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, que você encontra para baixar aqui, e que inclusive eu considero um livro (na verdade é um texto para teatro) muito melhor, por alguns motivos. 
Acho que a autora de A menina submersa monta um cenário que não condiz com o que será apresentado. Ela nos vende uma história que não irá contar (ainda mais se você tiver lido a sinopse). Acho que autora chega pretensiosa, e sai sem cumprir o que prometeu. Se tirarmos todas as referências, o que vai sobrar da história é uma garota louca, e nada mais. E aí vale questionar o que é ser louco. 
Em Senhora dos Afogados, temos o contrário. Nelson chega sem pretensão nenhuma, e da primeira vez que você lê o texto, ele nem parece ser assim tão bom. Mas cada vez que você relê você encontra uma nova metáfora escondida. 
A relação entre Moema e o mar. Entre Moema e o mito das sereias. Entre Moema e a prostituta morta... 
Acho que a autora de A menina submersa entrega demais o jogo, mesmo dizendo que não vai entregar, e protela demais, mesmo dizendo o tempo todo que não pode protelar, enquanto que o Nelson deixa para o leitor os mistérios do texto. 
Aquela história aconteceu de verdade, ou é tudo um sonho? Nelson não diz em nenhum momento que aquilo pode ser um sonho (enquanto que Caitlín diz isso o tempo todo), mas você mesmo começa a se indagar a respeito. Nelson não escreve lindos e confusos versos, mas suas palavras grossas dizem muito mais nas entrelinhas do que as palavras de Caitlín poderiam. 
Ao mesmo tempo, as duas histórias se complementam de um jeito incomum. Vejo muito mais terror em Senhora dos Afogados, onde Moema direta ou indiretamente mata toda a sua família do que em A Menina Submersa, onde nada acontece, de fato, fora da mente de Imp. 
Mas sim, apesar de tudo, eu recomendo o livro. E por favor, compre a edição limitada que tem a capa toda linda, porque vai dar uma outra cara pro livro. 
E sim, eu estou pedindo que vocês julguem o livro pela capa, porque muitas vezes é a capa quem demonstra o cuidado do autor com sua obra. 
Senhora dos Afogados pode ler muitas vezes, porque além de maravilhoso e muito importante é um livro cheio de significados e brasileiro!   
Por favor, leiam os dois livros e venham aqui comentar comigo o que acharam! 

10 de junho de 2015

Naummy e Kienzie

Aquela juba dourada solta no vento, brilhando sob os raios tênues do sol, já dizia que aquele leão era um aventureiro nato. Por onde passava deixava um rastro de coragem e disposição. Kienzie não tinha medo de nada. Nunca tivera. Um dia, decidiu saltar de paraquedas, pois esse era o único item da "lista de aventuras" que ainda não estava riscado. Kienzie gostava de sentir o sopro do ar em seus cabelos cheios de cachinhos quando corria bem rápido, e de ver todo o verde que cercava sua casa. Imagine então como poderia ser voar! Kienzie queria experimentar a sensação, queria se sentir parte do azul do céu. 
Quando estava lá no alto, bem no alto mesmo, flutuando no vento, apreciando a paisagem e se divertindo bastante, avistou um pontinho avermelhado correndo no campo em direção à montanha. 
- O que pode ser aquilo? - Kienzie pensou. E conforme foi se aproximando do chão, conseguiu ver o que era: uma raposa. 
Do outro lado da selva, na montanha, vivia uma doce raposa chamada Naummy. Era muito conhecida por sua astúcia, seu bom-humor, e pelo seu jeito manso de ser. As coisas de que ela mais gostava eram: ver a lua, ver as estrelas, ver as árvores dançando, o inverno, chocolate, sopa de repolho, frutas orgânicas, e a caverna onde morava. Naummy saía sempre para longos passeios onde via muitos lugares bonitos e pessoas boas, mas sempre, sempre voltava para casa no fim de cada dia, porque amava seu lar. 
Naummy, ao contrário de Kienzie, tinha medo de uma porção de coisas. Medo de altura. Medo de ficar de cabeça para baixo. Medo de cair. Medo de ralar o joelho... Medos que todo mundo - exceto Kienzie - tem. 
Naummy voltava para casa um dia quando ouviu um barulho lá em cima, no céu. 
- Um pássaro? - ela se perguntou. Mas quando olhou, viu que não podia ser um pássaro. - Eu nunca vi um pássaro desse tamanho! Meu Deus, ele brilha tanto! É capaz até de cegar... 
Naummy ficou ali por mais um tempo para averiguar a situação. Então Kienzie foi perdendo altura, e cada vez mais, até tocar o chão. 
- O que é você? - Naummy perguntou.
- Um leão. 
- Mas leões não voam... 
- Mas eu sim. Sou um leão voador. 
- E por acaso o senhor leão voador gostaria de tomar um chá?
E desse dia em diante os dois se tornaram melhores amigos. Kienzie ensinou Naummy e fazer estrelinha na grama, e Naummy ensinou Kienzie sobre as estrelas que ficam lá no céu. Os dois passavam tardes inteiras observando o mundo e observando um ao outro. Naummy contou para Kienzie que seu sonho era ter um jardim, e então, o leão destemido e a doce raposa saíram em busca de sementes de flores de várias partes do mundo, e juntos plantaram um enorme jardim. 
Se algum dia você passar pelo jardim de Kienzie e Naummy, eis o que verá: flores de todas as cores, tamanhos e formatos. Um mar verde com pinguinhos multicoloridos. E lá no meio de toda aquela grama, dois reflexos: um brilhando dourado, e o outro amarelo-avermelhado, brincando, rindo e contando histórias das aventuras que viveram juntos...  
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